A morte é um dia que vale a pena viver - Resenha crítica - Ana Claudia Quintana Arantes
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A morte é um dia que vale a pena viver - resenha crítica

A morte é um dia que vale a pena viver Resenha crítica Inicie seu teste gratuito
Saúde & Dieta

Este microbook é uma resenha crítica da obra: 

Disponível para: Leitura online, leitura nos nossos aplicativos móveis para iPhone/Android e envio em PDF/EPUB/MOBI para o Amazon Kindle.

ISBN: 978-85-431-0721-9

Editora: Editora Sextante

Resenha crítica

Cuidados paliativos: o que são?

Para explicar aos leitores o conceito de “cuidados paliativos”, nossa autora recorre à definição oficial da Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo a descrição, esses cuidados consistem na assistência oferecida por uma equipe multidisciplinar.

Os profissionais que a integram visam melhorar a qualidade de vida dos pacientes e seus familiares perante uma enfermidade que ameace diretamente a vida. Isso é feito tanto por meio do alívio das dores e sofrimentos quanto da prevenção.

Entre outros aspectos importantes, destacam-se a avaliação impecável, a identificação precoce e o tratamento dos sintomas físicos, psicológicos, sociais e, até mesmo, espirituais.

Arantes enfatiza que o sofrimento relacionado à percepção da mortalidade não tem início, apenas, no “processo de morrer”. Tal assombro já se faz sentir na possibilidade do diagnóstico, quando o indivíduo fica na expectativa de obter, por exemplo, o resultado de um determinado exame.

O caminho entre a certeza de um diagnóstico que confirme a existência de uma doença que ameace a continuidade de sua vida, e a morte, propriamente dito, é acompanhado de intenso sofrimento.

Como a doença é uma interpretação médica dos sintomas e sinais associados aos exames de imagem ou de laboratório, ela pode ser comum a muitas pessoas, apresentando, inclusive, resultados quase idênticos.

Há milhares de indivíduos com câncer. Porém, o sofrimento é algo único, absoluto e totalmente individual. Embora os profissionais de saúde testemunhem as enfermidades se repetirem no cotidiano, o sofrimento jamais se repete.

Por mais que os tratamentos aliviem as dores, a experiência de senti-las é permeada por dinâmicas particulares de comportamento, percepção e expressão. Dito de outra forma, “cada dor é única”, assim como cada ser humano.

Isso é válido até para gêmeos idênticos, que possuem o mesmo DNA: mesmo nesses casos, há expressões de sofrimento totalmente diferentes. Perante o diagnóstico de uma grave doença, a morte anunciada traz consigo a possibilidade de um rápido encontro com o propósito ou sentido da vida.

Não obstante, há também uma enorme angústia pela possibilidade de não dispor do tempo suficiente para que esse encontro seja vivenciado.

Esse processo tende a ser bastante doloroso para a maior parte dos pacientes, sobretudo, em função da falta de habilidade e conhecimento dos profissionais que deveriam conduzir esse tempo, considerado sagrado, de uma vida humana.

Quando o paciente tem à disposição uma equipe realmente habilidosa na condução desses cuidados, terá a incrível chance de deixar a existência, com glórias e honras dignas dos grandes reis, rainhas e heróis.

Infelizmente, contudo, isso está longe de ser disponibilizado a todos os cidadãos brasileiros. Pois, nem todos os médicos, e demais profissionais que atuam com pacientes em estados terminais, sabem agir apropriadamente nessas situações.

Empatia ou compaixão

A nossa autora elucida que estar ao lado de uma pessoa que necessita dos cuidados paliativos não implica em “viver pelo outro o que ele tem para viver”. Isto é, as habilidades dos acompanhantes podem ser descritas como um talento, um dom chamado “empatia”.

Trata-se da capacidade de “se colocar no lugar do outro”. Contraditoriamente, apesar de ser uma das mais importantes habilidades de qualquer profissional da saúde, pode se tornar, também, um dos fatores de maior risco, deixando-o incapaz de cuidar.

Ou seja, a empatia tem os seus riscos; a compaixão, não. Esta transcende as habilidades afetivas, permitindo compreender o sofrimento alheio, sem que isso o contamine.

É justamente a compaixão que protege o cuidador desse risco. A compaixão não tem fim, enquanto a empatia pode se esgotar. Se o profissional da saúde permanecer imerso na empatia, poderá se dirigir exclusivamente ao sofrimento alheio, esquecendo dos seus próprios sentimentos.

Em suma, para exercitar a compaixão é imprescindível, segundo a nossa autora, saber do que somos capazes e aprofundar o autoconhecimento.

Medo da morte, medo da vida

Muitas pessoas alegam temerem a morte. Entretanto, Arantes declara espanto quando verifica como elas vivem: sofrem, reclamam, trabalham, fumam e bebem em excesso. Ademais, vivem de um modo que ela considera insuficiente.

O paradoxo fica evidente quando, apesar de terem medo da morte, apressam-se em encontrá-la. Afinal, quem receia o fim de sua vida, poderia demonstrar um temor mais responsável, não é mesmo?

Isso significa ter mais respeito pela morte, pois o medo ou a coragem não salva ninguém. Por outro lado, refletir seriamente sobre o assunto traz harmonia e equilíbrio nas escolhas diárias.

Obviamente, a postura indicada pela autora não gera imortalidade física, mas permite a experimentação consciente de uma vivência que, de fato, vale a pena. Simultaneamente, isso não impede que ninguém tenha tempo de trabalhar para buscar sua realização, de beber ou fumar para celebrar, de superar as tristezas por alegrias ou aliviar seus sofrimentos.

Mas, tudo na medida leve. Com efeito, podemos tentar crer que conseguiremos enganar a morte. No entanto, somos muito ignorantes para tal feito. É por isso que ninguém morre apenas no dia de sua morte.

Com isso, Arantes quer dizer que morremos um pouco a cada dia, estejamos conscientes ou inconscientes de estarmos vivos. A questão é que morremos mais rápido quando vivemos alijados dessa consciência.

De modo geral, as pessoas morrem antes da morte ao se abandonarem, da mesma forma que morrem após a morte quando são esquecidas.

Agora que chegamos à metade da leitura, vamos nos aprofundar em alguns conceitos importantes para a compreensão da relevância dos cuidados paliativos.

As nossas mortes de cada dia

Todos nós, de uma forma ou de outra, passamos boa parte de nossas vidas tentando aprender a vencer. Buscamos livros, cursos, inúmeras técnicas para conquistar vantagens, benefícios, pessoas e bens.

Há muitas lições acerca da arte de vencer. Todavia, não vemos o mesmo empenho quanto à “arte de perder”. Não há quem deseje abordar esse tópico. Na realidade, passamos muito tempo em grande sofrimento ao perdermos nossos sonhos, realidades, pessoas ou bens.

Temos muitos motivos para sonhar, mas, se perdemos os nossos sonhos nada nos obriga a perder, também, a razão. Vivemos à procura de discursos que sejam capazes de nos mostrar como vencer: conquistar o melhor emprego, a mulher ou o homem ideal, dentre outros objetivos.

Por isso, ninguém se matricularia em um curso chamado “Como perder melhor” ou “Como perder bem”. Nesse hiato, saber perder consiste, para Arantes, em uma verdadeira arte, pois indica que a pessoa em questão viveu plenamente tudo o que ganhou na vida.

Cada morte simbólica, cada perda existencial, seja de uma realidade conhecida, de um trabalho, de uma relação, denota, ao menos, 3 padrões de sentido. Em primeiro lugar, temos o perdão (ao outro e a si mesmo).

O segundo sentido é saber que aquilo que foi vivenciado nunca será esquecido. E, por último, a convicção de que fizemos, de determinado modo, a diferença naquele tempo, deixando uma marca, um legado que transformou aquela realidade ou aquela pessoa que, a partir desse instante, ficará fora de sua vida.

Em outras palavras, o ato de aceitar a perda exerce uma função crucial em nossa vida que, como tal, deve prosseguir.

Podemos escolher como morrer

Arantes enfatiza a profunda diferença entre o oferecimento de cuidados paliativos e a promoção da morte dos pacientes. Sua atuação é completamente diversa da eutanásia.

No cotidiano dos hospitais brasileiros subsistem más práticas nessa assistência. Uma vez que os médicos não estão preparados para os cuidados paliativos, tendem a indicar sedações para quase todos que padecem em decorrência da terminalidade.

Nesse cenário, uma das grandes lutas dos profissionais consiste na indicação de sedações paliativas somente para as condições em que o sofrimento seja efetivamente refratário aos tratamentos recomendados.

A autora destaca que, de modo geral, os médicos não sabem trabalhar em equipe, a fim de que os sofrimentos espirituais e existenciais dos pacientes sejam adequadamente avaliados e aliviados.

A consequência imediata dessa falta de habilidades e conhecimento manifesta-se quando os médicos indicam sedações porque não conseguem conduzir os processos de morte dos seus pacientes de outra maneira.

Existe, na atualidade, excessos de sedações paliativas e sempre tardias. Os pacientes sofrem absurdamente durante muito tempo. Às vésperas do falecimento, ainda recebem a sedação travestido de ato final de compaixão.

O tempo do luto

A morte de um ente querido dá início ao processo do luto. O vínculo importante nem sempre é composto só de amor e, quanto mais contaminado por sentimentos complexos (como culpa, mágoa, ódio ou medo), tanto mais difícil será o enfrentamento dessa situação.

Quando há um rompimento de vínculos formados por amor genuíno, temos muita dor, porém, ao mesmo tempo, esse sentimento guiará a pessoa pelo mais breve caminho em direção ao alívio.

Em uma relação interrompida pela morte, a intensidade do amor vivenciado é proporcional à dor do luto. Surpreendentemente, é mediante esse lindo sentimento que os indivíduos conseguem se reconstruir.

A autora relata que, ao cuidar de familiares enlutados em grandes sofrimentos, busca deixar bem clara a relevância da decisão de reverenciar o legado do ser amado. Caso aquele indivíduo tenha trazido sentido de vida, força, crescimento, paz, alegria e amor, não é justo que todas essas coisas sejam enterradas juntamente ao corpo doente.

É mediante tal percepção de valor do relacionamento que os enlutados emergem, aos poucos, de suas dores. Desde uma perspectiva técnica, o luto pode ser entendido como a consequência do rompimento de vínculos significativos.

Quem perde uma pessoa importante fica sem a percepção cultivada de segurança e estabilidade, desfazendo-se a ilusão de controle. Ao perdermos definitivamente uma conexão com alguém que, de um modo ou outro, representa um parâmetro para nós mesmos, ficamos privados da capacidade de autorreconhecimento.

Não recebemos, ao longo de nossas vidas, nenhuma forma de educação para que nos tornemos quem somos. Expressamos, quando crianças, a verdade sobre o que pensamos e sentimos, mas, muitas famílias, escolas e a própria sociedade fazem com que passemos a nos envergonhar de nossas identidades.

Assim, necessitamos das percepções alheias para a construção de nossa expressão, adequando-a às expectativas da sociedade e das que criamos para nós mesmos.

Notas finais

Cumpre ressaltar, por fim, que não há nada mais íntimo que compartilhar o que a autora chama de “processo ativo de morrer”. Nem confidências, beijos ou sexo se compara a isso.

Um indivíduo à beira da morte tende a buscar o sentido de se encontrar ali. Além disso, virão questionamentos das ilusões, verdades, culpas, medos, fardos, pesos, dentre outros elementos.

No momento em que a morte se aproxima, tudo isso fica exposto de um modo verdadeiramente claro. Embora, no final de qualquer escolha, caminhada ou história, a morte nos aguarde, ela continua sendo a única certeza de nossa existência. Tentar “fugir” do assunto não ajuda em nada.

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Quem escreveu o livro?

Arantes é médica graduada pela USP (Universidade de São Paulo), especializada em... (Leia mais)

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